quarta-feira, 9 de abril de 2008

Darcy Ribeiro envia carta do Além


"Psicografada" por Elio Gaspari

Professor, saia da reitoria da UnB, a inhaca do bidê do Eremildo grudou nas suas costas

PREZADO REITOR Timothy Mulholland,
Essa universidade aí de Brasília quem fez fui eu, Darcy Ribeiro. É minha filha. Saia de sua reitoria. Vá-se embora. Quando correu por aqui a história da sua lixeira de R$ 990 eu achei que era mais uma cavilação da direita. Talvez você não lembre, pois em 1964 tinha apenas 14 anos, mas essa ferrugem moralista acusou o Anísio Teixeira de ter praticado irregularidades aí na reitoria. E eu? Teria fugido para o Uruguai numa avioneta, com US$ 10 milhões.
Gastaram R$ 350 mil na decoração do seu apartamento funcional e depois veio o saca-rolhas de R$ 859. Eu já tinha ouvido coisa assim. O Gilberto Freyre disse que o presidente de Stanford usou dinheiro público (US$ 180 mil) na manutenção do seu iate e perdeu o emprego.
Matutei um dia inteiro, querendo lembrar o antecedente brasileiro. Vi o Samuel Wainer com o Porfirio Rubirosa e caiu a ficha. Iluminou-se o bidê que o professor Eremildo Viana mandou instalar em seu gabinete da rádio Ministério da Educação. O Stanislaw Ponte Preta transformou a vida daquele dedo-duro num inferno.
Como você deve saber, adoro falar bem de Darcy Ribeiro. Veja o que escrevi nos anos 50 a respeito de uma "característica distintiva" da universidade brasileira: "seu pendor ao esbanjamento de recursos públicos escassos tanto negativamente, pela subutilização das disponibilidades materiais e humanas, como positivamente, pelo faraonismo das edificações".
Professor, a inhaca do bidê do Eremildo grudou nas suas costas. Esperei dois meses para lhe mandar esta mensagem. Resolvi expedi-la quando a garotada invadiu sua reitoria. Em 1963, eu estava na chefia da Casa Civil e a estudantada saiu por Brasília ocupando prédios. Mandei que lhes dessem uma coça e aquietaram-se. Mesmo assim, confesso que tenho um fraco por reitorias invadidas.
A garotada quer que você vá embora. Vá. Você deveria ter se licenciado logo depois das denúncias, à espera das conclusões dos inquéritos. Sei lá por que, preferiu ficar no cargo e abandonar o apartamento, num gesto de exclusiva soberba, pois o dinheiro público já havia sido queimado com besteiras. Se quiser, finja licenciar-se, mas renuncie daqui a um mês.
Eu estive na sua sala. As coisas estão em ordem. Dancei forró segurando as cadeiras de uma menina que estuda biologia. Ela tinha um "Fora" escrito na testa e as bochechas pintadas como os índios com quem passei tantos e tão gratos tempos.
Qual a graça de ter 20 anos, querer um país sem roubalheiras, ou uma terra sem males, e deixar passar o enterro de um reitor que gasta R$ 350 mil montando uma casa onde a lixeira sai por R$ 990? Lembra-se da garotada de 1967, aquela que enxotou o embaixador americano John Tuthill? Pois lá estava um garoto, apanhando. Era o Collor. (Apanhou pouco, porque não aprendeu nada.) Percorra os salões de Brasília. Cada geração de poderosos guarda consigo as doces lembranças das manifestações de 1968 e de 1977. Chamavam-nas de badernas. Que assim seja. Bem-aventurado seja aquele que carrega com orgulho as lembranças de badernas passadas. A garotada de hoje, como a de sempre, tem razão: "polícia para quem precisa".
Sem mais,
Darcy Ribeiro


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