terça-feira, 30 de setembro de 2008

Diário do Nordeste: Fundações privadas geram distorção no ensino público


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Nesta entrevista, o presidente do Sindicato Andes Nacional, Ciro Correia, fala sobre os efeitos negativos das fundações sobre as universidades públicas, destacando que suas atividades, de cunho comercial, desvirtuam as funções básicas do ensino superior gratuito, dentre as quais a pesquisa

Para o movimento docente, é preciso que as instituições públicas retomem para si o papel que delegaram às fundações. De que forma isso seria possível?

Primeiro, é preciso esclarecer que a maioria das tarefas que hoje essas fundações executam em nada se relacionam com as finalidades das universidades públicas. Com a desculpa de “apoio”, essas entidades é que usam da credibilidade da universidade pública para realizar atividades comerciais e se beneficiarem de favores fiscais. Onde elas assumiram funções burocráticas e funcionais nas universidades, isso precisa ser desfeito e isso passa pelo devido provimento de cargos e infra-estrutura da instituição, através do Estado, que é quem tem a responsabilidade de manter e financiar a universidade pública.

A universidade pública dispõe de verba para assumir essas funções?

É preciso garantir verbas para a manutenção da universidade pública e isso não deveria ser problema num País que, neste ano, vai investir cerca de 12 bilhões de reais nas universidades federais, ao mesmo tempo em que vai pagar mais de 100 bilhões de reais em juros para o sistema financeiro nacional e internacional.

Atualmente, qual é a principal fonte de recurso das fundações?

As fundações se beneficiam fundamentalmente de contratos e parcerias com o setor público: órgãos do governo federal, secretarias de Estado, municípios etc. Assim, é uma inverdade quando afirma captar recursos privados que iriam contribuir para financiar a universidade pública.

A sua arrecadação é convertida em benefício das atividades acadêmicas das universidades de alguma forma? O senhor poderia citar exemplos?

Pelo contrário, a arrecadação é utilizada pelas fundações em interesse próprio, criando infra-estrutura para que ela opere dentro da universidade e possa pagar a professores e funcionários para que se dediquem a atividades que não são as de ensino, pesquisa e extensão, previstas como finalidades da instituição.

O senhor vislumbra alguma maneira de essas fundações contribuírem para a melhoria do ensino público?

Não, elas prejudicam o ensino público ao colocá-lo na perspectiva enviesada do interesse comercial, enquanto o ensino deve ser um direito de todos financiado pelo Estado.

Qual é a melhor forma de a universidade pública promover essa extensão de conhecimentos aos setores público e privado? Por meio de convênios?

Em primeiro lugar, o que a universidade pública faz de modo reconhecidamente mais eficiente que o setor privado: formando profissionais qualificados para todos os setores das atividades profissionais de nossa sociedade. Convênios podem e devem ser feitos, desde que na perspectiva de interagir com a sociedade para gerar conhecimento novo ou no estudo de situações que se relacionem com ensino e pesquisa. Isso sempre se reverte em favor do desenvolvimento. Prejudicial é tirar docentes e instituições de sua finalidade na perspectiva de gerar recursos, como as fundações propugnam.

Mesmo considerando incompatível a relação entre universidades públicas e fundações, o Sindicato admite a qualidade do serviço prestado por alguma delas?

A questão não é se há qualidade. A questão dever ser se esses serviços devem se dar no âmbito das universidades.

O movimento dos estudantes questiona, de alguma forma, o fato de pagarem por cursos de pós-graduação e até de graduação que deveriam ser gratuitos?

Sim, e o fazem com razão, uma vez que educação é um direito que deve ser oferecido para todos, em função da capacidade de cada um, como prevê nossa legislação e é óbvio que essa capacidade não se refere à capacidade econômica.

Como manter a qualidade do objetivo fim das universidades — ensino, pesquisa e extensão — se, muitas vezes, as atenções do corpo docente são desviadas para outros fins, como consultorias remuneradas para terceiros via essas fundações?

Provendo as necessárias condições de infra-estrutura nas universidades, condições adequadas de trabalho e salários compatíveis com a responsabilidade de trabalho docente.

O senhor vislumbra alguma mudança nessa realidade a partir do anúncio, o do presidente Lula, de reforço na universidade pública com novos concursos?

Os novos concursos são bem-vindos, no entanto, ainda insuficientes para significarem uma inflexão no sentido de investir o que seria necessário para efetivamente permitir que as universidades atendam à demanda por educação superior no Brasil.

O Andes possui dados sobre a situação das fundações no Ceará?

É longo o histórico de problemas criados por fundações ditas de apoio a universidades públicas no Ceará, em particular os relacionados com cursos pagos, o que é irregular e ilegal nesses casos. Várias publicações do Andes-SN ou de suas seções sindicais já trataram destes problemas. Nesse momento, estamos lançando a segunda publicação especial do Andes-SN sobre a questão: o “Dossiê Nacional 2” , sobre as fundações privadas “de apoio”. Novamente nele o tema aparece na matéria da página 51: “Procurador federal, promotoria e alunos investigam fundações privadas na UFC”. Nesse artigo, são detalhados vários problemas que se relacionam com as cinco entidades “de apoio” que oferecem cursos pagos e usam o nome da universidade para vender serviços ao poder público sem licitação, na mesma linha de atuação que tem gerado escândalos em outras instituições do País.

FIQUE POR DENTRO

Quem é Ciro Correia

O presidente do Andes-SN, Ciro Correia, é livre-docente, professor associado do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), e possui um extenso currículo de militância em defesa da universidade pública e dos trabalhadores de uma forma geral.

Quando cursava Geologia, na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro , interior de São Paulo, onde se formou em 1979, foi presidente do Centro Acadêmico de Geologia e o representante discente no primeiro conselho universitário da recém-criada instituição de ensino estadual.

Em 1980, foi cursar pós-graduação na USP e, dois anos depois, foi admitido como professor do então Departamento de Mineralogia e Petrologia da Universidade.

Ali, imediatamente filiou-se à Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp) e começou a atuar no movimento docente, intercalando momentos de militância com períodos de maior dedicação às atividades acadêmicas.

Em 1984, foi eleito representante do Instituto de Geociências no Conselho de Representantes da Adusp. Nos dois anos seguintes, conciliou a representação docente com o mestrado em Mineralogia e Petrologia. Em 1988, durante a histórica greve das estaduais paulistas, teve atuação destacada.

De 1991 a 1993, foi 2º tesoureiro da Adusp. Prosseguiu seus estudos e pesquisas nas áreas de Mineralogia, Petrologia, Geotectônica e Geoquímica Isotópica, que lhe permitiram concluir o doutorado em 1994, feito, como o mestrado, em parte na Itália. Em 2001, concluiu a livre docência a partir dos resultados do pós-doutorado realizado na Austrália.

De 2001 a 2003, foi presidente da Adusp. Ao retomar suas funções no Departamento de Mineralogia e Geotectônica, foi eleito chefe do Departamento por dois mandatos (2003-2005 e 2005-2007).

CARTILHA

Os principais trechos da cartilha elaborada pelo Andes

"Fundações privadas acabaram por gerar profundas distorções nas atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na universidade, submetendo-as à lógica do mercado e suas prioridades - incompatíveis com a produção de conhecimento científico e socialmente referenciado"

"É preciso que essas instituições retomem para si o papel que delegaram a essas fundações"

"Os defensores da mercantilização da educação têm disseminado cada vez mais, entre a comunidade acadêmica, a falsa idéia de que as universidades públicas não podem viver sem as fundações ditas de apoio"

"As fundações não são mais do que entes privados intermediando a relação financeira entre os órgãos públicos"

Um comentário:

Anônimo disse...

Alunos da UnB: vinguem-se da escória com livros!

Lembram-se daquela história de ontem, a do professor que resolveu desconstruir Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo? Pois é... Dei um cartaz tremendo para o bruto. Isso sempre acontece. Basta eu falar aqui de qualquer imbecil, e ele é logo catapultado para a fama. O debate pegou fogo na tal pagineta do mestre. Alguns alunos saíram numa defesa ensandecida do seu Sócrates. Cicuta nele, hehe...Uma boa parcela dos defensores do apedeutinha diz que eu sou autoritário e reacionário, ou coisa parecida, ao apontar os erros do seu texto. O nome da disciplina é ?Escrita e Sociedade na América Latina?. Huuummm... Se o português não lhe cai bem, então que tente o guarany... Sou ortodoxo: acho que um professor de escrita deve zelar pela escrita, assim como um cirurgião deve saber, como direi?, corte e costura...

A Universidade de Brasília, aliás, é um caso sério. A universidade fez eleição direta para escolher o seu reitor. Venceu o professor José Geraldo de Souza Júnior, a principal expressão daquela maravilha já tantas vezes abordada aqui: ?O Direito Achado na Rua?. Trata-se de uma corrente do, vá lá, pensamento jurídico brasileiro que acredita, sem peias, que o legítimo (sempre as causas ditas ?populares?) se sobrepõe ao legal ? que estaria a serviço, então, das causas impopulares ? vocês sabem: coisa da tal Dona Zelite.

Vá lá... Sou tentando a pôr um pouco de pimenta nessa história e observar que algo que começou com Darcy Ribeiro não poderia dar em coisa muito boa. Mas seria injusto com tanta gente competente, esforçada, trabalhadora, que está na UnB e não endossa a vigarice populista que tomou conta da universidade faz tempo. Há lá bons acadêmicos e alunos que não se deixam cavalgar pela estupidez politicamente correta. Deve ser uma trabalheira danada. São verdadeiros heróis num ambiente completamente conspurcado pela militância a mais estreita, a mais boçal.

Espero que, no país dos petralhas, continuem a resistir aos que tentam criar a universidade dos petralhas. Proponho aos verdadeiros estudantes da UnB: resistam a esses caras; vinguem-se deles. A melhor vingança, acreditem, é estudar, é ler. Um livro, para essa gente, funciona como a kriptonita para o Super-Homem.