segunda-feira, 30 de junho de 2008

Audiatur et altera pars


O Conselho Universitário (Consuni) da Universidade de Brasília (UnB) definiu por 27 votos a favor, 24 contra e 5 abstenções, na tarde de sexta-feira, como serão distribuídos os votos entre os três segmentos da UnB (discentes docentes e funcionários técnico-administrativos) nas eleições para reitor. O peso de cada segmento é 1/3 que será repartido pelo total dos votos daquele segmento. Isso significa que cada segmento terá a sua proporção, o seu terço, repartido pelo total de integrantes. Na prática, considerando que o denominador é o número total de votantes de cada segmento (em números aproximados), cada voto estudantil equivale a 1/30000, o voto dos funcionários equivale a 1/2500 e o dos professores equivale a 1/1500. A opinião de cada professor vale 20 vezes mais em relação ao peso da opinião dos estudantes.

Esta fórmula não é “paridade”. Paridade por definição é qualidade de par, de igual, segundo o dicionário Houaiss. Este sistema de repartição do peso de cada segmento se chama, na prática, de proporcionalidade. Assemelha-se mais ou menos ao que acontecia no sistema anterior à “paridade”. Desmotivado pelo minguado peso, o segmento dos estudantes não representara nem 0,15% do total de votantes, na eleição para o reitor que se demitiu há poucos meses atrás, por suspeitas de má gestão. Com a fórmula aprovada, para que a paridade valesse como equilíbrio na representação, todos os integrantes dos três segmentos da UnB deveriam votar algo quase impossível de ocorrer. Considerando o curto tempo de debate para as eleições e a crônica desmoralização estudantil imposta por colegiados docentes esmagadoramente hegemônicos, é quase impossível mobilizar os trinta mil estudantes para a votação, resultando em uma grave sub-representação discente na escolha para reitor.

A impressão geral que se tem entre os estudantes, os servidores técnico-administrativos e parte dos docentes, é que houve uma manobra ilusionista para a proporcionalidade ser revestida de “paridade”. Foi uma torta sem recheio, um pastel de vento.

A paridade com a fórmula proposta pela comissão paritária escolhida pelo Consuni foi enviada aos departamentos, faculdades e institutos para ser debatida. O que não ocorreu de todo. Há várias manifestações de integrantes da comunidade universitária, indicando que manobras tais como reuniões informais, atraso ou a negativa de convocação de alunos e funcionários ou simplesmente a não realização de reuniões e registro em ata. A desmobilização, deliberada ou não, resultou em opiniões enviesadas levadas pelos conselheiros docentes, que não representaram em seus votos, um debate profundo e simétrico entre todos os segmentos. Neste sentido, o golpe não foi apenas contra os segmentos hoje menos representados (estudantes e funcionários), mas foi contra parte dos docentes que não tiveram a oportunidade de se manifestar em reuniões colegiadas.

Não foi surpresa a votação pela proporcionalidade. A maior parte dos conselheiros docentes do Consuni foi eleita durante a gestão do ex-reitor. Uma gestão que se notabilizou por denúncias cotidianas de má aplicação de recursos públicos, clientelismo e concentração de poder. Uma das estratégias mais perversas da gestão passada foi deslegitimar os conselhos e colegiados, ao fomentar o apoio aos seus subalternos prediletos e servis. A decisão do Consuni, majoritariamente composto por docentes que não se opunham frontalmente aos desmandos e à fuzarca administrativa que se instalou na UnB na última década, foi lastimável. Surpreende apenas a insensibilidade de um grupo de conselheiros às reivindicações de um segmento (estudantes), a quem deveriam servir com gentileza e desprendimento.

A proporcionalidade votada no Consuni foi uma manobra para blindar o valhacouto de uma elite que se nega a fazer concessões ou aceitar a existência política de dois segmentos que também possuem discernimento político, decidem e que dão a organicidade à Instituição Universidade de Brasília.

Os números demonstram que a votação foi apertada e longe de um consenso construído no diálogo franco e no respeito às reivindicações dos estudantes, dos servidores técnico-administrativos e grande parte dos docentes. Há claramente um conflito em curso na UnB. Uma espécie de oligarquia docente quer dispor de poder absoluto nas decisões administrativas e particularmente, na manipulação de verbas dento da Instituição. A correta ação da reitoria temporária em alocar 17 milhões ao Hospital Universitário, oriundos do MEC, algo inimaginável na gestão do ex-reitor, é a comprovação de que as prioridades da gestão anterior não eram com o público, com a população, com uma ciência com objetivos sociais. No mínimo era voltada para um grupo que se auto-alimentava em benesses, sem considerar o objetivo de uma universidade pública.
A manobra pela proporcionalidade, que se assemelhou aos malabarismos parlamentares, daqueles que estamos acostumados e ver nas casas legislativas do Brasil, foi urdida por setores sem forte tintura partidária na UnB. A proporcionalidade votada visa poupar energia nas decisões administrativas, para um grupo que se empenha em repetir, perpetuar e propagar as políticas de privatização do viver, do aprender e do ensinar públicos. A manobra abriu espaço para que haja uma vantagem esmagadora dos docentes em relação aos estudantes, categorias hoje em rota de colisão. Uma nova trombada entre o transatlântico docente capitaneado pelos teimosos timoneiros embevecidos pelo poder e o iceberg do protagonismo estudantil, pode acarretar um desastre institucional. Com uma diferença: talvez não haja escaleres para todos.

Prof. Vanner Boere Souza (membro do Coletivo UnB Livre).

CFS/IB/UnB , vanner@unb.br

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