sexta-feira, 9 de maio de 2008

Transparência e democracia


O fim da ditadura militar no Brasil foi seguido de ditaduras civis que implementaram o projeto neoliberal. O sucateamento da universidade e a mercantilização do ensino foram alguns dos resultados das ações governamentais privatistas e pró-imperialistas.
A gradual liberdade de expressão conquistada pela academia, que vinha amordaçada por muito tempo, cegou parcialmente os deslumbrados intelectuais e formadores de opinião: o direito ao voto passou a dar falsa impressão de democracia e os mecanismos de controle deram falsa transparência aos atos dos novos donos do poder.
Foi sempre uma falácia a transparência apregoada pelas administrações da UnB. Ela, na realidade, nunca passou de mera transparência do fato consumado. Esse tipo de transparência é bem conhecido de quem já teve a oportunidade de admirar, em saguões de restaurantes ou clubes, algum belo aquário cheio de peixinhos, pedras, bolhas, tubos, plantas aquáticas, mini-tesouros e naviozinho naufragado. O aquário todo fechado, transparente, permite que nossos olhos observem o peixe grande que ataca, mata e engole um outro pequeno, as pedras mal colocadas que incomodam ou ferem guelras e a oxigenação mal feita causada pelo tubo cuja extremidade não está mais à tona. O vidro do aquário está limpo, a transparência é total, mas o observador nada pode fazer para mudar o cenário, intervir nas relações internas e no contexto do ambiente que está atrás do vidro.
Para o Instituto de Artes foi patético o período de alguns longos anos que antecederam o agosto de 2002, quando foi inaugurado o Complexo das Artes. O shopping, como é conhecido entre estudantes, é um prédio de precaríssimo conforto ambiental: um estudante de Artes Cênicas que ensaia uma fala em uma extremidade do prédio é ouvido por outro que tenta se concentrar numa leitura na outra extremidade a mais de 40 metros de distância.
O final do século XX foi dramático para as direções do Instituto de Artes que, para construirem o novo prédio, viviam tentando passar o chapéu, mendigando doações com o aval da Lei do Mecenato. Apelava-se até mesmo para doações dos próprios professores. Acreditava-se que os pobres coitados teriam imposto a pagar quando, na verdade, todos aguardavam salvadoras restituições. Banqueiros, enfim, financiaram, não sem contrapartida imobiliária, a construção do shopping. O Banco Real entrou no câmpus. Um convênio determinou que a UnB cederia uma área para o Banco Real construir seu posto e utilizá-lo durante cerca de vinte anos: a construção ficará para a UnB a partir de 2025.
O Departamento de Música reivindica seu prédio novo há mais de 19 anos. A planta da nova construção andou alimentando esperanças de mestres e maestros que não viram o sonho realizado. No papel heliográfico alguns colegas, hoje aposentados ou defuntos, já haviam escolhido suas salas. Motivos misteriosos e desconhecidos fizeram com que o autor da planta original a levasse para sua casa, desautorizando seu uso. Para consagrar o surrealismo, a administração não mais se interessou em buscar novo arquiteto para um novo projeto.
O Centro Comunitário Athos Bulcão, que poderia ser chamado de Circo da UnB, é a demonstração inconteste da precariedade da universidade pública brasileira. O mestre dos azulejos e murais merecia dar nome a espaço mais nobre. No Circo da UnB se escancaram as boas intenções que, no desespero da falta de recursos, rumam para o provisório, o anti-ecológico, a falta de ventilação, a acústica ambiente absurda que, com tempo de reverberação da ordem de 10 segundos, não permite qualquer comunicação artística ou verbal em condições inteligíveis e dignas.
Nessa conjuntura nada propícia para as artes, a reitoria, que graças à execrável figura da reeleição passou a ser a mesma que tínhamos no final do século XX, fez com que a transparência do fato consumado desfilasse aos nossos olhos. Os boletins e periódicos publicados pela reitoria nos mostravam como os recursos próprios da UnB, sempre escassos para certas áreas do saber, haviam sido aplicados.
Entre os projetos concluídos, encontramos alguns importantes na área de Odontologia e Farmácia. Vimos contemplados algum laboratório, construídos alguns sanitários, estacionamentos e calçadas. Promessas eram alardeadas para a Geociências, a Física, a Engenharia Mecânica e a Informação. De resto, investimentos se voltavam a garagens, elevadores e prédio novo para o Cespe. Outro para a Fubra. Esteve em andamento, inclusive, a construção de prédio novo para uma Fundação de Apoio.
Outros projetos importantes teimaram sempre em ficar engavetados, não se sabe com que critérios. É perda de tempo fazer com que nossas preocupações se voltem para o cronograma de construções cujos projetos não foram transparentemente discutidos por toda a comunidade. Uma descarada política de balcão fez com que projetos saíssem do papel através de uma relação biunívoca e exclusiva entre a administração e a parte interessada. As partes desinteressadas nunca foram ouvidas.
Aqui entramos na abordagem do tema "democracia". Muitos acham que a Universidade de Brasília chegou a viver uma plena experiência democrática. Numa medrosa e hipócrita avaliação, existe gente que em suas críticas pulam do Azevedismo ao Lauro-Thimotismo, tentando insinuar que de Cristóvam a Todorov houve democracia e lisura. Na verdade, a ilusão e a farsa democráticas foram vividas justamente no tempo em que ainda não existia Ministério Público. Ah, se houvesse! Acham que democracia se resume em liberdade de pensamento e liberdade de expressão. É totalmente equivocada essa convicção. A plena democracia só se fará presente entre nós quando os órgãos colegiados tiverem reais poderes decisórios. A plena democracia estará vigorando somente quando todos os órgãos colegiados contarem com a participação efetiva e representativa dos três segmentos: docente, discente e técnico-administrativo. A plena democracia se implantará somente quando o Conselho Universitário se reunir periodicamente, com pautas em que predominem assuntos relevantes e não as concessões de títulos honoríficos. A plena democracia será realidade apenas quando todos os órgãos colegiados, escolhidos e integrados de modo igualitário pelos três estratos da comunidade universitária, se reunirem periodicamente, contando com o respeito às suas decisões por parte da administração superior.

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