O texto abaixo é uma visão sobre o processo administrativo e político das universidades federais. Não implica necessariamente em uma opinião do Coletivo UnB Livre. Em nome da diversidade de opiniões, publicamos . Foi veiculado pelo Correio Braziliense de hoje (24/07/08).
"A universidade abandonada
Aurélio Wander Bastos
Professor de direito e doutor em ciência política
As universidades públicas brasileiras formaram-se como agrupamento de faculdades isoladas e evoluíram como arranjos burocráticos com orçamentos organizados em função das faculdades. Esse modelo fortalecia os diretores, ficando os alunos fragilizados, os funcionários como bedéis e os reitores como chanceleres. O Decreto-lei nº 200/67, combinado com a sucessiva Reforma Universitária (1968 — 1971), fortaleceu financeiramente os reitores, mas engessou os orçamentos e departamentalizou as faculdades. Engessadas administrativamente e com a subsunção das universidades estatais, e autárquicas, à administração direta, criaram-se fundações mantenedoras, não apenas com verbas públicas, mas com recursos de empresas estatais e privadas em que o reitor era também o presidente.
O modelo provocou dois efeitos subseqüentes: por um lado os recursos orçamentários ficaram na responsabilidade da administração e por outro as empresas não subsidiaram as universidades. Nesse contexto, as instituições reverteram o quadro e criaram fundações mantidas por elas próprias com verbas privadas, administrando também parte das verbas orçamentárias não vinculadas ao pessoal. Os efeitos descentralizantes provocaram alterações nos diferentes mecanismos licitatórios e comprometeram os programas de ensino e pesquisa.
Esse quadro evoluiu para situações heterodoxas e as fundações de apoio não vêm aplicando as verbas segundo os objetivos fixados pelos conselhos, que se transformaram em órgãos homologatórios. A situação levou à ruptura com o rígido modelo licitatório e com os controles administrativos. O fortalecimento das fundações de apoio viabilizou a desconexão da universidade com o Estado de Direito e contribuiu para a alteração do conceito constitucional de autonomia universitária, aproximando-o do conceito de independência (des)funcional, paradoxalmente dentro do Poder Executivo. Essa novidade na administração tem provocado efeitos na composição dos órgãos centrais, desconstruindo o modelo de ensino superior.
Nesse sentido, a universidade pública está transmudando-se endogenamente em circuitos abertos, em que a lei se confunde com coerção e a legitimidade democrática com o legitimismo populista. A aproximação com programas externos é importante, mas não exatamente comprometendo o projeto educacional do Estado Democrático de Direito com relações diretas de poder como relações legítimas.
Essa flutuação desconectou a legalidade como seu pressuposto organizativo, para aproximá-la do legitimismo, não como expressão de legitimidade, mas como pressuposto da independência administrativa, sustentada nas fundações de apoio com recursos orçamentários da União. Isso demonstra que a “autonomia” da universidade está transformando unidades do poder público vinculadas ao Poder Executivo em órgãos executivos de políticas independentes, resistentes aos programas de governo, mas apoiando-se nos recursos orçamentários da União para viabilizar os seus projetos por intermédio dessas fundações.
Finalmente, esse quadro tem contribuído para a privatização interna das verbas públicas, que se contrapõe aos procedimentos administrativos. Tal efeito tem revertido os mecanismos legais para a indicação dos reitores pelo Conselho Universitário e de Ensino e Pesquisa, por meio de portarias internas contra legem, contrapondo-se ao Estado de Direito que pode ter efeitos sobre os atos homologatórios de reitores pelo presidente da República."
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