"O historiador francês Ferdinand Braudel (1902-1985) observou que o capitalismo precisa se aproximar do Estado democrático para assegurar o processo de acumulação, mas é verdade também que muita democracia pode converte-se em obstáculo às ambições do capital. A generalização de procedimentos para a resolução de conflitos de forma pacífica; as exigências de transparência, de equidade e de reciprocidade nas regras do mercado e da política -- tudo isso dificulta em princípio a busca desenfreada do lucro e inspira incursões veladas ou explícitas para dentro do aparelho do Estado com vistas a conquistar e manter posições monopolistas e escapar assim da lei férrea da concorrência, que submete a todos democraticamente.
É nesse contexto que se explica a emergência de organizações criminosas, que buscam assenhorear-se do mercado, sobrepondo-se aos concorrentes de maneira ilegal e ilegítima -- o que somente se torna possível mediante acesso a recursos de poder que não estejam ao alcance dos concorrentes. Esses recursos ou instrumentos de poder localizam-se no Estado, a quem cabe o papel de guardião da livre competição.
Esse é o motivo por que o Estado se converte em alvo e butim do crime organizado, que busca infiltrar-se pela corrupção em suas instituições, na classe política, no poder Executivo, no Legislativo, no Judiciário, nos Tribunais de Contas, na burocracia estatal, enfim, nos seus mais altos e mais baixos escalões, para submeter o mercado, a sociedade e o Estado a seus desígnios de lucro e dominação, passando a usufruir de uma posição monopolista ou oligopolista. O livre mercado somente é bom para quem dele se livrou, ao se ter assenhoreado de uma posição estratégica que o mantém ao abrigo da erosão da livre competição, uma vez que esta ameaça reconduzir a todos, de modo recorrente, à sua insignificância inicial.
(...) Apropriar-se das políticas e do poder do Estado é tão importante como apropriar-se dos recursos do mercado -- e cada vez mais, no contexto ampliado da globalização, o êxito no mercado depende do êxito sobre o controle dos recursos (dinheiro e instrumentos institucionais) do Estado. E sempre que ocorrem momentos de mudança, ou de crise -- o da prevalência, na globalização, do capital financeiro sobre o capital produtivo, por exemplo -- o Estado deixa de funcionar como Estado formalmente de todos (o Estado na sua função pública de comando) para atuar como Estado de alguns, mais iguais que outros (o Estado com predomínio de sua função política de dominação)."
O texto selecionado acima é de autoria do deputado estadual Rui Falcão (PT-SP) e pode ser lido na íntegra na página eletrônica do mesmo.
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